quarta-feira, 3 de agosto de 2022

 

Por Donato Macedo

Agosto, Monte e Morte...

A tragédia ocorrida há cinco anos no Largo da Fonte no Monte em plena festividade, constitui uma das páginas mais negras da nossa história coletiva recente. E esse negrume expande-se muito para além da morte e sofrimento das vítimas, e na dor dos familiares e amigos. É também o manto de breu que escorreu sobre todos nós, numa imagem do Estado fraco, negligente, opaco e irresponsável, que é a antítese daquilo que se espera dos seus responsáveis políticos, e das entidades judiciárias dum denominado "Estado de Direito". Um país da UE, cujas instituições devem pretensamente trabalhar 24 horas por dia, todos os dias do ano em prol dos cidadãos e dos valores universais de justiça, em respeito pela separação de poderes. Mas, estávamos numa ilha adjacente perdida no Atlântico logo no estival mês, onde tudo se arreda nos foguetes de estalo e na doença radicular de algumas centenárias árvores matreiras.

O que vimos e assistimos nas longas horas sucedâneas à triste ocorrência de 15 de agosto de 2017, é compaginável com um país africano com instituições débeis, fracas, permeáveis...duma alienada e acrítica sociedade. Como rezou o DN-Madeira na edição de 19 de agosto desse ano, só aquando dos primeiros funerais, é que a PSP montou vigilância no local...


in ® DN-Madeira 20/08/2017

O Ministério Público foi de uma incompetência atroz, não vedando o local da ocorrência como era exigido, e permitindo que o potencial "CSI", fosse remexido por técnicos da autarquia, sendo um deles mais tarde constituído arguido.

Já sabemos que a justiça portuguesa é lenta e que poucos governos dentro da efemeridade dos períodos duma legislatura, operam as reformas necessárias para que essa maleita seja mitigada em benefício de todos. Sim, isso é uma quimera.

Desde esta tragédia de 2017 assistimos a um bailado das várias partes, uns a tentarem se desonerar de responsabilidades, e outros, famintos por justiça e cobertos de mágoa a tentarem encontrar um sentido, uma causa, uma responsabilidade por parte de alguém que tinha o dever de acautelar a segurança e manutenção fitossanitária daquele espaço ajardinado. Nem que seja, vá lá, uma "responsabilidadezinha política"...


in ® DN-Madeira 17/08/2017

Em 2010 quando num comício político no Porto Santo, a queda duma palmeira (inclinada) ceifou a vida de duas pessoas, soaram vozes estridentes a pedir responsabilidades, com aquele cliché de que "a culpa não pode morrer solteira".

Em 2013 já havia condenação objeto de recurso.

in ® DN-Madeira 18/08/2017

Hoje em 2022 temos apenas dois arguidos, um dos quais não só manteve as mesmas responsabilidades dos espaços verdes, como recentemente foi promovido a diretor de departamento. Os sinais são por demais evidentes. A autarquia, mesmo sabendo da condição de arguido, sem saber ainda o desfecho judicial deste processo, não só manteve a confiança no técnico, como ainda ampliou essa mesma confiança, dando um sinal subtil à justiça e a todos nós, de que é do entender da atual governança municipal, de que o técnico não só é merecedor da confiança, como também do reforço da mesma.

As famílias das vítimas olham o horizonte por entre a dor, vislumbrando um qualquer sinal de justiça dos homens. Perguntam-se tal como eu, se a segurança está mesmo presente, e se os responsáveis na altura, serão mais responsáveis no dia de hoje, se não poderiam mesmo ter feito nada que evitasse a tragédia. Questiono-me sobre o facto de que se estava tudo seguro, porque se começou após agosto de 2017 a cortar árvores a eito no espaço público funchalense? Se tudo estava monitorizado quando à saúde das plantas, porquê se fez posteriormente um levantamento exaustivo "a olho", com fichas individuais das árvores? Não era suposto esse trabalho ter sido sempre feito? Se os frondosos plátanos do Monte estavam assim tão inseguros, ligados alguns por cabos de aço, porque foram posteriormente arrasados pelas motosserras, e com eles a sombra que nos poupava do sol?

Se consolação existir no meio deste emaranhado de chutos na responsabilidade, é saber quiçá, que os mesmos que deviam velar pela saúde das plantas, sempre foram e são os mesmos que velam pela necrópole onde a maioria dessas vítimas repousam os seus restos mortais...Se não cuidaram em vida no trágico desfecho, o zelo (à partida), está assegurado agora nos cemitérios onde estão sepultados.
Ah, em 2023, poderá haver julgamento e saber-se-á se teremos dois ou três acusados e se sobre eles penderá alguma falta...Para já, só mesmo falta é justiça.





 

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