terça-feira, 23 de agosto de 2022

 


"Nómadas Digitais" versus "função pública portuguesa"

Por Donato Macedo




A transição para a economia digital está na ponta da língua da governação madeirense.

"Economia digital", "transição digital", "tecnologias da comunicação" e demais ramagens da mesma árvore semântica ecoam do vale à montanha pelos majestosos vales. A ideia de que o carácter ultraperiférico da Madeira, só pode ser vencido pela tecnologia digital com sede na Madeira, de forma a garantir um salto qualitativo e quantitativo na prestação de serviços à distância, com recurso às novas tecnologias e de novas gerações mais qualificadas, é algo estratégico e competitivamente tangível. A realidade pandémica veio acicatar algo que já se sabia, pois a roda foi já inventada há muito tempo, que são as novas formas de organização do trabalho, a que muitas empresas já recorrem há anos, fruto do avanço tecnológico, da qualificação e da globalização económica.

Tenho uma declaração de interesses nesta análise enquanto trabalhador do Estado desde 1993, tendo já percorrido várias administrações públicas, desde a central, autárquica e regional, em distintas funções e categorias.

Retomando a questão pandémica e o seu período mais crítico, em que obrigou muitos trabalhadores a ficarem confinados em casa, na Administração Pública houve algo (que também já se sabia), mas que no confinamento ficou mais que provado: há trabalhadores a mais e também há trabalhadores mal distribuídos. E quem negar isto, mete seguramente a cabeça debaixo da terra. O problema é antigo e constitui um dos muitos bezerros de ouro intocáveis do "sistema político" nacional, com forte valorização política-eleitoral. E nos sítios onde quase ¼ da população empregada trabalha da administração pública ou no setor empresarial do Estado (como é o caso da RAM), o assunto é mesmo sensível, sobretudo para um funcionário público como eu.
Mas, seguindo em frente, porque para trás, nem para tomar balanço, a pandemia mostrou que o teletrabalho em imensas atividades da função pública, é uma forma perfeitamente viável da organização do trabalho com imensas vantagens para o Estado e para o funcionário. Só não traz vantagens para o "sistema" implementado, incluindo desde logo algum vazio legal, apesar de alguns avanços e muitas promessas de alteração da regulamentação. E o teletrabalho não é vantajoso para a forma férrea e inamovível ainda implementada duma (desor)ganização do trabalho público, e sobretudo para justificação da enorme constelação de cargos dirigentes. Até porque só se pode justificar chefias para chefiarem "alguém" presencialmente, que ali está...de corpo presente, independentemente da produtividade, da "natureza" dos objetivos fixados, para não falar da aberração das quotas dos iluminados excelentes e outros desocupados "lambe-cus" do sistema.

Ora, a pandemia trouxe a nu aquilo que se sabe. Há excesso de funcionários para justificar algumas chefias e prémios políticos a que nem sempre corresponde o devido mérito. Por isso, as virtudes das formas de trabalhar remotamente, só são válidas para os "outros" teletrabalhadores, sejam eles nómadas e "nerds" tecnológicos qualificados, por mais poupanças que os "autóctones" representassem para o Estado, para menor conflitualidade laboral com o esvaziamento da ação sindical, e maior pegada ecológica com as poupanças da mobilidade pendular casa/trabalho, enquanto preocupação ambiental da poluição tão cara nos nossos dias.
Repescando o início, o Estado é pródigo em endeusar as soluções vanguardistas dos privados, mas está enquistado sobre si próprio, com processos e procedimentos fossilizados, mascarados por pseudo-sistemas de avaliação de desempenho martelados e descredibilizados, apenas porque convém ao "sistema". O mesmo sistema que ao fim e ao cabo, somos todos "nós" que tacitamente pactuamos com esta evidente ineficiência burocrática...

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

 

Por Donato Macedo

Agosto, Monte e Morte...

A tragédia ocorrida há cinco anos no Largo da Fonte no Monte em plena festividade, constitui uma das páginas mais negras da nossa história coletiva recente. E esse negrume expande-se muito para além da morte e sofrimento das vítimas, e na dor dos familiares e amigos. É também o manto de breu que escorreu sobre todos nós, numa imagem do Estado fraco, negligente, opaco e irresponsável, que é a antítese daquilo que se espera dos seus responsáveis políticos, e das entidades judiciárias dum denominado "Estado de Direito". Um país da UE, cujas instituições devem pretensamente trabalhar 24 horas por dia, todos os dias do ano em prol dos cidadãos e dos valores universais de justiça, em respeito pela separação de poderes. Mas, estávamos numa ilha adjacente perdida no Atlântico logo no estival mês, onde tudo se arreda nos foguetes de estalo e na doença radicular de algumas centenárias árvores matreiras.

O que vimos e assistimos nas longas horas sucedâneas à triste ocorrência de 15 de agosto de 2017, é compaginável com um país africano com instituições débeis, fracas, permeáveis...duma alienada e acrítica sociedade. Como rezou o DN-Madeira na edição de 19 de agosto desse ano, só aquando dos primeiros funerais, é que a PSP montou vigilância no local...


in ® DN-Madeira 20/08/2017

O Ministério Público foi de uma incompetência atroz, não vedando o local da ocorrência como era exigido, e permitindo que o potencial "CSI", fosse remexido por técnicos da autarquia, sendo um deles mais tarde constituído arguido.

Já sabemos que a justiça portuguesa é lenta e que poucos governos dentro da efemeridade dos períodos duma legislatura, operam as reformas necessárias para que essa maleita seja mitigada em benefício de todos. Sim, isso é uma quimera.

Desde esta tragédia de 2017 assistimos a um bailado das várias partes, uns a tentarem se desonerar de responsabilidades, e outros, famintos por justiça e cobertos de mágoa a tentarem encontrar um sentido, uma causa, uma responsabilidade por parte de alguém que tinha o dever de acautelar a segurança e manutenção fitossanitária daquele espaço ajardinado. Nem que seja, vá lá, uma "responsabilidadezinha política"...


in ® DN-Madeira 17/08/2017

Em 2010 quando num comício político no Porto Santo, a queda duma palmeira (inclinada) ceifou a vida de duas pessoas, soaram vozes estridentes a pedir responsabilidades, com aquele cliché de que "a culpa não pode morrer solteira".

Em 2013 já havia condenação objeto de recurso.

in ® DN-Madeira 18/08/2017

Hoje em 2022 temos apenas dois arguidos, um dos quais não só manteve as mesmas responsabilidades dos espaços verdes, como recentemente foi promovido a diretor de departamento. Os sinais são por demais evidentes. A autarquia, mesmo sabendo da condição de arguido, sem saber ainda o desfecho judicial deste processo, não só manteve a confiança no técnico, como ainda ampliou essa mesma confiança, dando um sinal subtil à justiça e a todos nós, de que é do entender da atual governança municipal, de que o técnico não só é merecedor da confiança, como também do reforço da mesma.

As famílias das vítimas olham o horizonte por entre a dor, vislumbrando um qualquer sinal de justiça dos homens. Perguntam-se tal como eu, se a segurança está mesmo presente, e se os responsáveis na altura, serão mais responsáveis no dia de hoje, se não poderiam mesmo ter feito nada que evitasse a tragédia. Questiono-me sobre o facto de que se estava tudo seguro, porque se começou após agosto de 2017 a cortar árvores a eito no espaço público funchalense? Se tudo estava monitorizado quando à saúde das plantas, porquê se fez posteriormente um levantamento exaustivo "a olho", com fichas individuais das árvores? Não era suposto esse trabalho ter sido sempre feito? Se os frondosos plátanos do Monte estavam assim tão inseguros, ligados alguns por cabos de aço, porque foram posteriormente arrasados pelas motosserras, e com eles a sombra que nos poupava do sol?

Se consolação existir no meio deste emaranhado de chutos na responsabilidade, é saber quiçá, que os mesmos que deviam velar pela saúde das plantas, sempre foram e são os mesmos que velam pela necrópole onde a maioria dessas vítimas repousam os seus restos mortais...Se não cuidaram em vida no trágico desfecho, o zelo (à partida), está assegurado agora nos cemitérios onde estão sepultados.
Ah, em 2023, poderá haver julgamento e saber-se-á se teremos dois ou três acusados e se sobre eles penderá alguma falta...Para já, só mesmo falta é justiça.





 

 


Por Donato Macedo

 

O auto-definhamento informativo.

 



O panorama informativo da Região está há muito tempo “adormecido” (as aspas são intencionais, pois, a verdade requereria um termo mais cru), com evidente perda de qualidade prestada aos seus consumidores.

Há uns anos atrás, os dois principais títulos diários regionais, digladiavam-se um em frente ao outro na Rua Fernão de Ornelas. Um, por detrás das beatas vestes e odor a incenso, era alimentado por todos nós, o outro, o antigo “diário dos ingleses” atuava como uma espécie de contrapoder, com uma áurea de maior isenção, à medida que ia conhecendo dificuldades crescentes na hostilidade por parte do poder regional de então, assim como, uma cada vez maior exiguidade de publicidade pública nas suas páginas. Em setembro de 2011, vários ativistas acantonaram-se no interior do JM, em protesto com a linha editorial daquele jornal, que sustentado pelos contribuintes, era uma espécie de "Pravda" do regime de Alberto João Jardim, criando um facto mediatizado de dimensão nacional. Muitos desses arrojados elementos, fizeram a cama para que os "cafofos" desta vida se deitassem no divã com mel, uvas e demais luxúrias, desalojando quem lhes preparou e confiou o estaminé.




Ainda em finais da primeira década deste século, a cúpula do poder proibiu militantes do PSD de escorrer opinião nas páginas do Diário de Notícias. Houve inclusivamente um jovem imberbe militante, que pingava acne por onde passava, em que num gangue pueril em plena campanha, jurou no seio duma manada acéfala onde cobardemente se escudava, “morte e fogo” ao Diário de Notícias. Quis o destino que anos mais tarde, esse mesmo espírito disforme saísse escorraçado, sem honra nem glória, a “ranhar do focinho” em "prime-time" televisivo, reclamando o colo do seu endeusado guru.

Mas, apesar de toda essa ambiência, havia alguma pulsão em trazer a público parte do que era varrido para debaixo do tapete.

O jornalismo tal como outras áreas tem vindo a sofrer um “emagrecimento” com a aridez crescente das redações, com a exiguidade do mercado publicitário, bem como com as mudanças de mãos das suas estruturas acionistas. Se a informação é poder, nos ecossistemas pequenos como o nosso, aqui mais se verifica. A viabilidade económica pode ser reduzida, mas estrategicamente, é sempre uma vantagem ter a informação sob a trela. Não se pense que o problema é apanágio da Madeira. O panorama nacional não é melhor, e nem assim há tanto tempo, uma relevante parte da comunicação social nacional, deixou-se, tal como outros setores de atividade, instrumentalizar-se como uma lavandaria de dinheiro oriundo da cleptocracia angolana.
Neste momento, os dois principais jornais diários da região, têm na sua estrutura um mesmo grupo empresarial, com o pé nos dois títulos. Tal como outro grupo, com interesse nos média, que ao “desinglesar” a participação nesse título, tem dois destacados quadros técnicos, quer na liderança da oposição, como num destacado lugar na maior autarquia da Madeira. Um pé em cada lado, é estratégico. As convicções há sempre quem as tenha.

Tomemos por exemplo a um caso concreto já há uns anos ocorrido:

  • Alguém imagina hoje ser possível acontecer uma investigação jornalística como a que ocorreu há uns anos atrás (2009), pelo DN na Ribeira do Faial a um estaleiro do grupo AFA que poluía o ambiente, e os jornalistas serem corridos e ameaçados à pedrada por funcionários da empresa até partir o para-brisas do automóvel que transportava os repórteres?

in ® DN-Madeira 18/03/2009


  • Ou por exemplo, o DN relatar a ocorrência de algum saque de inertes numa qualquer ribeira?




in ® DN-Madeira 22/03/2020


  • Ou relatar o impacto de algum futuro colosso volumétrico como o Savoy Palace, emparedando a majestosa Avenida do Infante?




in ® DN-Madeira 07/07/2017


Assiste-se há anos à transumância de jornalistas da redação de jornais, rádios e até da televisão, para gabinetes de comunicação, quer ao serviço do poder e do universo empresarial público. O corredor é igualmente fluido para a dita oposição da “alternativa” sem qualquer eufemismo anestésico. Há até exemplos de verdadeiros mercenários da comunicação que já serviram no mesmo cargo, distintas equipas autárquicas, com a necessária cambalhota digna de medalha olímpica. São os "Ben's" da vida airada, bem entendido...





Vejamos o que sucede na RTP-Madeira: A perpetuação dos cargos altivos no canal público da Levada do Cavalo, bem como a resistência à renovação dos seus quadros; atente-se à sublime “conversa de café” dum Dossier de Imprensa feito em circuito interno, onde os mesmos protagonistas de forma corporativa, retemperam conteúdos pseudoinformativos, moderados por uma entidade mais omnipresente que o Espírito Santo. E não raras vezes, os “convidados” corporativos posicionam-se na rampa de lançamento para as assessorias públicas…Estaremos condenados a pagar também isso na conta da luz?

Muitos profissionais desta área para explicar as agruras da profissão, culpam o advento das redes sociais, com a acusação do alfa e ómega diabólicos, da desinformação reinante. Será mesmo que é só isso, que uma introspeção mais atenta revela, quando não raras as vezes, as próprias redes sociais são por muitos deles, a fonte de informação sem "fact-check"? Mas, mais. Quantas vezes os jornalistas prestam-se a ser meros pés-de-microfone ao débito político, sem questionar, e sem contrapor? Quantos textos e áudios são apenas reproduzidos ipsis verbis para a veiculação de uma informação que se supõe verosímil depois de validada e depurada pelo tempero da imparcialidade?





in ® DN-Madeira 22/10/2010



Recordo que há apenas uns anos atrás, vários jornalistas, políticos e aspirantes a políticos foram aliciados por uma editora que ancorou-se no Centro Internacional de Negócios da Madeira, como fachada de negócios oriundos no norte de Itália, e que entre outras atividades, como ser um "viveiro de socialistas na incubadora", organizava um malogrado e sumptuoso festival literário, que mais não era do que o exercício de planeamento fiscal, que foi objeto de diligências judiciais levadas a cabo na Madeira, a pedido das autoridades fiscais italianas.

Dobro-me perante a memória do desaparecido jornalista madeirense Tolentino de Nóbrega que na altura trabalhava para o jornal "Público", e que foi dos poucos profissionais, que trouxe a lume, os detalhes dessa operação judicial italiana denominada "Flying Money" que desmascarou este mecenato cultural que se alojou no meio do Atlântico e que muito boa gente daqui, provincianamente se embasbacou. Outros, porém, mantêm-se e sempre se mantiveram caladinhos, porque lhes publicaram uns escritos que de outra maneira, não lhes conheciam luz do dia...

Veremos se melhores dias virão.



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